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Já nem me conheço

sábado, setembro 30, 2017

"Viver de graça é mais barato"
😋

Conselhos de Vida

1 - Faça o menos possível de confidências. Melhor não as fazer, mas, se fizer alguma, faça com que sejam falsas ou vagas. 
2 - Sonhe tão pouco quanto possível, excepto quando o objectivo directo do sonho seja um poema ou produto literário. Estude e trabalhe. 
3 - Tente e seja tão sóbrio quanto possível, antecipando a sobriedade do corpo com a sobriedade do espírito. 
4 - Seja agradável apenas para agradar, e não para abrir a sua mente ou discutir abertamente com aqueles que estão presos à vida interior do espírito. 
5 - Cultive a concentração, tempere a vontade, torne-se uma força ao pensar de forma tão pessoal quanto possível, que na realidade você é uma força. 
6 - Considere quão poucos são os amigos reais que tem, porque poucas pessoas estão aptas a serem amigas de alguém. Tente seduzir pelo conteúdo do seu silêncio. 
7 - Aprenda a ser expedito nas pequenas coisas, nas coisas usuais da vida mundana, da vida em casa, de maneira que elas não o afastem de você. 
8 - Organize a sua vida como um trabalho literário, tornando-a tão única quanto possível. 

Fernando Pessoa, in 'Anotações de Fernando Pessoa, em inglês (sem data)' 
Porto-(Portugal) 
miriadna.com
Caravela - Portugal

Viver é...

Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e agressivo. 
Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus, que também tem a sua vida. Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de comemoração de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros. Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar ansiosamente à espera. 
Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos mais tarde. 
Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital. A vida é um espaço e um tempo maravilhosos mas não se contenta com a contemplação. Ela exige reflexão. E exige soluções. 
A vida é exigente porque é generosa. É dura porque é terna. É amarga porque é doce. É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo. A vida é a mais séria das coisas divertidas. 

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum' 

quinta-feira, setembro 28, 2017












Meditação Sobre os Poderes

Rubricavam os decretos, as folhas tristes 
sobre a mesa dos seus poderes efémeros. 
Queriam ser reis, czares, tantas coisas, 
e rodeavam-se de pequenos corvos, 
palradores e reverentes, dos que repetem: 
és grande, ninguém te iguala, ninguém. 
Repartiam entre si os tesouros e as dádivas, 
murmurando forjadas confidências, 
não amando ninguém, nada respeitando. 
Encantavam-se com o eco liquefeito 
das suas vozes comandando, decretando. 
Banqueteavam-se com a pequenez 
de tudo quanto julgavam ser grande, 
com os quadros, com o fulgor novo-rico 
das vénias e dos protocolos. Vinha a morte 
e mostrava-lhes como tudo é fugaz 
quando, humanamente, se está de passagem, 
corpo em trânsito para lado nenhum. 
Acabaram sempre a chorar sobre a miséria 
dos seus títulos afundados na terra lamacenta. 

José Jorge Letria, in "Quem com Ferro Ama"
 

quarta-feira, setembro 27, 2017

O Amor Tudo Mata quando Morre


Eu morro dia a dia, sabendo-o, sentindo-o,
com a morte do amor em mim. 
Esvaiu-se, ensandeceu, partiu, 
espécie de sol sepultado por mãos ímpias, 
numa cratera de lua, algures, 
ou na tristeza de um retrato emudecido 
pela ausência de vozes em redor. 
Sem ele, a casa ficou deserta 
de risos, acenos e afectos, de tudo, 
as mãos ficaram ásperas, secas, 
a pele do rosto gretada, fria, 
e o sangue tornou-se lento e espesso, 
incapaz de dar vida às pequenas folhas 
orvalhadas da imaginação das noites. 
A erva cresce em redor de mim, 
os limões ficaram ressequidos sobre 
a toalha bordada, num canto da mesa. 
O amor tudo mata quando morre, 
detendo no seu movimento elementar, 
a máquina que ilumina o coração do dia. 

José Jorge Letria, in "Quem com Ferro Ama" 




Photo by Veselin Malinov 




Photo by Veselin Malinov 

Os Amigos

Os amigos amei 
despido de ternura 
fatigada; 
uns iam, outros vinham, 
a nenhum perguntava 
porque partia, 
porque ficava; 
era pouco o que tinha, 
pouco o que dava, 
mas também só queria 
partilhar 
a sede de alegria — 
por mais amarga. 

Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia" 


Urgentemente

É urgente o amor 
É urgente um barco no mar 

É urgente destruir certas palavras, 
ódio, solidão e crueldade, 
alguns lamentos, muitas espadas. 

É urgente inventar alegria, 
multiplicar os beijos, as searas, 
é urgente descobrir rosas e rios 
e manhãs claras. 

Cai o silêncio nos ombros e a luz 
impura, até doer. 
É urgente o amor, é urgente 
permanecer. 

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã" 

Lisboa Fotografia de pedrosimoes7 no Flickr
 Lagos - Portugal