OS ZÉS-NINGUÉM
Sonham as pulgas comprar um cão e sonham os zés-ninguém sair da pobreza, que num dia mágico chova a sorte de repente, chova a sorte a cântaros; mas a sorte não chove nem ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem em chuvinha cai a sorte do céu, por mais que os zés-ninguém a chamem, ou que lhes comiche a mão esquerda, ou que se levantem com o pé direito, ou que comecem o ano trocando de vassoura.
Os zés-ninguém: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os zés-ninguém: os nenhuns, os ignorados, apertando o cinto, morrendo a vida, fodidos, fodidíssimos.
Que não são, embora sejam.
Que não falam línguas, mas dialectos.
Que não professam religiões, mas superstições.
Que não fazem arte, mas artesanato.
Que não praticam cultura, mas folclore.
Que não são seres humanos, mas recursos humanos.
Que não têm cara, mas braços.
Que não têm nome, mas número.
Que não figuram na história universal, mas nos casos do dia da imprensa local.
Os zés-ninguém, que custam menos do que a bala que os mata.
Eduardo Galeano, in O Livro dos Abraços, trad. Helena Pitta, Antígona, Março de 2018
Os zés-ninguém: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os zés-ninguém: os nenhuns, os ignorados, apertando o cinto, morrendo a vida, fodidos, fodidíssimos.
Que não são, embora sejam.
Que não falam línguas, mas dialectos.
Que não professam religiões, mas superstições.
Que não fazem arte, mas artesanato.
Que não praticam cultura, mas folclore.
Que não são seres humanos, mas recursos humanos.
Que não têm cara, mas braços.
Que não têm nome, mas número.
Que não figuram na história universal, mas nos casos do dia da imprensa local.
Os zés-ninguém, que custam menos do que a bala que os mata.
Eduardo Galeano, in O Livro dos Abraços, trad. Helena Pitta, Antígona, Março de 2018
Esta denúncia da miséria humana em defesa dos desfavorecidos faz-se acompanhar de uma celebração da vida e dos valores que mais a dignificam. Textos tais como Celebração da Voz Humana 1, 2, 3 e 4, Celebração da Fantasia, Celebração da Realidade, Celebração da Subjectividade, Celebração das Bodas da Razão com o Coração, Celebração das Contradições 1 e 2, Celebração da Desconfiança, Celebração do Silêncio 1 e 2, Celebração das Bodas da Palavra com o Acto, Celebração do Riso, Celebração do Nascer Incessante, Celebração da Amizade 1 e 2, Celebração da Coragem 1, 2, 3 e 4, testemunham pelo exemplo os alicerces éticos e morais de uma oficina literária que não renuncia ao seu papel mais social e político. Não se confunda papel social e político, porém, com militantismo engajado. Trata-se de uma dimensão filosófica em favor de uma cultura de liberdade, contra a opressão e a humilhação daqueles que por infortúnio não têm defesa:
http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com
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