A colher de prata
O padre Antoninho era uma figura muito querida no colégio religioso onde ele lecionava. Pessoa carismática, comunicativa, sempre, além das excelentes aulas que ministrava aos alunos, dava bons conselhos de bondade e dedicação aos ensinamentos cristãos.
Ele era um elemento muito participativo na comunidade escolar, interagindo com pais e alunos sempre que fosse solicitado. Ia a batizados de filhos, cujos pais o convidavam, festas de aniversários, comunhão e formaturas, a tudo que fosse pelo bem de sua comunidade, ele comparecia com o maior prazer.
Figura baixa, andando quase curvado, cabelos ralos e brancos, beirando os 80 anos. Apesar da idade, era ágil, esperto, e tinha uma vitalidade que contagiava a todos, pela maneira com que participava de todos os acontecimentos estudantis aos quais quisessem sua presença.
Um dia, foi convidado a comparecer a uma festa de formatura de um aluno cujos pais pertenciam a melhor sociedade de sua cidade, no Sul do Brasil. Casa grande, de arquitetura moderna e de muito bom gosto, com um jardim frontal imenso, com lagos e um belo chafariz.
Ao chegar à mansão, foi muito bem recebido pelos familiares mais chegados do anfitrião. Após os drinques iniciais, foi levado a um salão com uma mesa imensa, com louças da melhor qualidade e talheres de prata, herança de família, pertencente aos ancestrais ilustres do dono da casa.
Após o jantar, houve discursos, drinques e confraternização entre todos os participantes da festa. No final do fino jantar, Padre Antoninho foi levado ao colégio onde lecionava, recolhendo-se ao seu modesto aposento na escola onde ele lecionava a mais de 40 anos.
Na casa, porém, alguma coisa não estava certa. Ao recolherem as louças, guardar a comida que sobrou, lavar os copos, foi dada a falta de um talher: uma colher de prata. Fato que nunca ocorreu nas festas daquela família. Constrangimento geral, pois a única pessoa fora da família era justamente o padre Antoninho. A família, então, a contragosto, resolveu deixar as coisas por isso mesmo, mas não esqueceu o fato.
Um ano depois, na formatura de outro filho do casal, por solicitação deste formando, convidaram outra vez o padre Antoninho.
Depois do jantar, pelo efeito dos vinhos e licores, o pai do aluno, muito delicadamente, tocou no assunto:
− Padre Antoninho, por uma causa o senhor não “pegou”, por engano, uma colher de prata depois da festa do ano passado?
Para espanto do anfitrião, padre Antoninho, com a maior calma do mundo, respondeu, com convicção:
− Peguei sim, e vou mostrar-lhes onde foi que a coloquei.
E para espanto geral, padre Antoninho foi até a estante de livros, retirou o mais importante, que era justamente a Bíblia Sagrada, e lá estava a colher de prata, entre as folhas de um livro que, durante um ano, nunca foi aberto pela família.
(NSM)
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