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Almada, Costa da Caparica, Portugal
Já nem me conheço

domingo, novembro 17, 2019

“Dentro adoram, pode ser gaveta, armário, cesta, saco de compras e, principalmente, caixa de papelão; dentro redondo, então, é irresistível, mesmo que seja pirex ou embalagem de sushi;
fora para tomar sol, paquerar passarinho, sentir o vento passar pelo nariz trazendo histórias nos cheiros;
em cima dos guarda-roupas, das prateleiras de louça, da televisão com o rabo no meio da tela, do monitor do micro, do livro ou do jornal que a gente está lendo: domem e fazem charme;

embaixo de cama, poltrona, sofá, colcha, tapete, para dar o bote quando a gente passa;e do lençol, quando a gente quer arrumar a cama;
junto conosco na cozinha em qualquer circunstância;
longe do aspirador, do liquidificador, de qualquer coisa que faça barulho e do veterinário, que também termina em dor;
perto de parapeitos, beirais, janelas e outros lugares que deixam a gente de coração na mão;
de papo pro ar, quando faz calor, patinhas largadas ao léu;
na gente de noite,quando faz frio: por cima e por baixo das cobertas, no meio das pernas, no meio das costas, em cima da barriga, do lado do corpo, ninguém consegue se mexer: humanos cercados por gatos por todos os lados;
tomando banho em grupo, todo mundo lambendo todo mundo, com muita saliva, muito som, as orelhinhas ficam encharcadas;
no chuveiro vendo aquelas milhares de coisinhas brilhantes(1) se mexerem(2) fazendo barulho(3): três coisas que gato ama;
no bidê bebendo água corrente com a língua a mil por hora;
em cima da cristaleira paquerando a mesa do almoço, de barrigunha cheia, mas ‘Quem sabe tem uma coisinha ali pra mim?’;
mordendo as perninhas traseiras da gata: o gato, quando quer que desocupe o lugar;
correndo a mil pela casa, Tom e Jerry ao vivo e a cores, e ai dos vasos;
comendo com os olhos os pombos que passeiam displicentemente debaixo do nariz deles pelo lado de fora da rede;
caçando passarinhos no oitavo andar, vitória que só um gato muito contemplativo, calmo, concentrado e sortudo como ‘Bigode’ consegue obter sem despencar lá embaixo;
fascinados por baratas: umas delas dura duas horas e meia para três gatos. O jogo é uma espécie de futebol em que a bola está viva. Termina quando acabam as pernas. Da barata.”
(‘Os Gatos’ de Sonia Hirsch)

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